6 de novembro de 2012

Conduzindo Miss Fortaleza




                                                            Conduzindo Miss Fortaleza

Muito prazer, meu nome é Fortaleza, mas pode me chamar de Loura Desposada do Sol, como de mim disse o grande Paula Ney, ao flagrar, certa feita, meu sono tranquilo à sombra dos palmares. Aliás, dei-me sempre muito melhor com os poetas do que com os políticos. Afinal, antes ouvir um soneto apaixonado do que discurso em palanque, este nem sempre verdadeiro.
Como devo chamá-lo? Líder? Não, soa muito pomposo. Prefeito? Óbvio demais. Talvez seja melhor tê-lo como um condutor, aquele que leva as pessoas pela mão a um destino agradável e de forma segura, o que não me acontece há bastante tempo. Que saudade do Boticário Ferreira e do seu arquiteto Adolfo Herbster, este talvez o que mais e melhor me entendeu.

Por favor, não me tome como uma velha ranzinza e saudosista. Sim, tenho um gênio forte e maneiras rebeldes, mas tenho motivo para exibir tanto amargor. São anos, lustros, décadas de descaso, descompromisso e omissão. Quem quer que passe um longo tempo sem ter os seus anseios atendidos não irá se comportar de outra forma. Como se sabe, as cidades possuem uma essência feminina e, em sendo mulheres, têm uma linguagem só delas para exprimir seus desejos. Quem decifra esse peculiar código, chega mais perto dos seus corações, meio caminho andado para a conquista.

Mas, qual! Em vez de captarem meu genius loci, o que me vai, como lugar, no espírito, meus condutores, quase todos eles, sempre me pareceram mais interessados em seus projetos pessoais, até quando bem intencionados. Ao invés de satisfazerem minhas vontades (e por que não dizer, carências), pavoneiam-se, enchem-se de si mesmos, só têm ouvidos para sua própria voz, no espelho veem-se semideuses. Enquanto isso, parafraseando Francisco Carvalho, um poeta que se abriga sob o mangueiral do meu Benfica, o tempo me desfolha com sua foice de murmúrios...

Você certamente conhece minha história: de manso areal pontuado por choupanas e uns poucos sobrados a quinta maior e mais densa metrópole do Brasil, muita coisa se passou. Cresci, inchei, fui ocupada legal e ilegalmente, meu corpo tem uma banda pobre e outra rica, sou Aldeota e Bom Jardim, debochada e desigual. Engarrafada, assisto ao enfarte diário de minhas avenidas e bulevares. Como evitar que a bala perdida que parte da área de risco atinja o bacana em seu big apartamento no Meireles? Condenada a um presente eterno sem futuro, constato a destruição cotidiana do meu passado. Meus rios e lagoas, antes límpidos, viraram cloacas a céu aberto, assim como o verde em cinza tornou-se. Sem planos ou estratégia, para mim todo dia é mais um dia, simplesmente um dia atrás do outro, ao sabor da brisa e dos eventos. Sim, isto que você vê é uma lágrima, nesta face sulcada e sofrida de vias, bairros e favelas, mesma visão melancólica que de mim teve o poeta Adriano Espínola em sua viagem de táxi da Parquelândia à Praia do Futuro: “Fortaleza, solidão escamosa, suor noturno, revelação”.

Mas, filho, como disse o Belchior, deixemos de coisa e cuidemos da vida. Não seja mais um a me decepcionar, leve-me a bom patamar com razão e sensibilidade. Irmã do sol e do mar, no esplendor desta manhã cristalina, tenho as bênçãos dos céus que são meus. Seja firme e siga o meu lema: Fortitudine, força, valor, coragem.

ROMEU DUARTE 05/11/2012
Fonte: jornal O Povo

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