Vida Viajante
- Claude Bloc -
Fortaleza (clique para ver em tamanho maior) |
Não lembro onde li esta frase:”Viajar cura a melancolia”. Creio que, a partir daí, fiz disso um lema, porque acreditei no que li. Eu tinha fases de apatia. Não de depressão, mas de recolhimento. Recordo apenas a impressão que esta frase me causou. Imaginei viagens. Viajei com a poesia. Viajei. Pendurei momentos como esses pelas esquinas do mundo e do tempo e me deixei absorver por esse ensaio de cura. Cura da melancolia.
Os anos se passaram, apagaram-se muitas estrelas na minha vida e, ainda hoje, não sei se viajar realmente é uma cura. No entanto, persiste em mim aquela curiosa impressão de que a frase que li naquele momento foi pura predestinação.
Na verdade, desde então, nunca mais parei de viajar. E a vida foi se pontuando de oportunidades. Até atravessei o país... Fui morar no Rio por oito meses, morei no interior de São Paulo por mais de seis anos e em pensamento me perdi entre mares e desertos, mudei de casa não sei quantas vezes e conheci a poesia mais de perto, perdida na vasta noite da inspiração... Avancei sempre, sem destino certo, tantas e tantas vezes. Mas... com certeza, sempre quis estar de volta aqui, ao Cariri.
O que sei, porém, é que tudo começou nesse dia. Era ainda noite fechada e eu estava na Serra Verde. Levantei-me e parti em busca de respostas. Fui em direção ao açude Segui a rebentação daquelas ondinhas ali pela margem, apanhei seixos e búzios, contornei a parede do sangradouro; afastei-me de casa o mais que pude. O sono não chegava. Acompanhei a trajetória da lua refletida nas águas. Vi a manhã erguer-se, branca, e envolver o Alto do Caboclo; vi, tudo isso também em outros dias: crepúsculos e noites sobre aquele espelho... e amei a existência com todas as minhas forças.
Nessa noite, adormeci ali, onde calhou: no meio daquela areia granulosa, enroscada em meus próprios braços, como um animalzinho indefeso... Quando regressei, regressei com a ânsia de uma eterna viajante dentro de mim.
Hoje sei que não consigo parar de me locomover prá lá e prá cá. Quantas e quantas cidades conheci assim? Perdi a conta. E aprendi que o/a viajante ideal é aquele/a que, no decorrer da vida, se despojou das coisas materiais e que viaja mesmo quando executa as tarefas quotidianas. Que posso viver mesmo sem possuir muita coisa, mas nunca sem adquirir meu próprio modo de vida.
É assim que tento conduzir a vida: caminhando, com a leveza de quem abandonou tudo aquilo que nada lhe acrescenta. E viajo sempre deixando o coração apaixonar-se pelas paisagens enquanto a alma, no puro sopro dessa caminhada, se recompõe das aflições da cidade.
E foi também dessa forma que, pouco a pouco, aprendi que vejo as coisas de forma diferente do que outros viajantes veem, ao passarem pelos mesmos lugares. Acredito que o olhar de cada um, sobre as coisas do mundo, é único.
Se viajar, não cura a melancolia, pelo menos, percebo que purifica a alma. Traz ao passageiro desta vida a paz de espírito; e deste modo, o corpo reencontra a harmonia perdida - entre o homem e a terra.
Dessa forma tornei-me nômade: ao saber que não fui feita para ficar quieta. Ser sedentário/a me empobrece, mata-me a alma, estagna meu pensamento.
Por tudo isto, como viajante, escolhi caminhar nessa linha. Nela eu canto, escrevo, vivo. Sou uma fagulha que viaja nesse Universo.
Claude Bloc
Maravilhoso texto, Claude. Quanta profundidade! Quanta leveza! A sabedoria vestida em impecável forma. Parabéns!
ResponderExcluirOs textos da Claude mexem com a gente, Paulo. Ela consegue nos tocar com tanta leveza que nos deixa embevecidos. Estou feliz de ver vocês esbanjando sabedoria aqui na minha casinha virtual.Voltem sempre,
ResponderExcluirFafá