6 de outubro de 2012

VOTAR


Texto de Raquel de Queiroz. Revista O Cruzeiro, 11 de janeiro de 1947

Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo maquinismo político que se chama govêrno democrático, ou govêrno do povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato.

No entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais literal: govêrno do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVÊRNO.

Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo.

Escolhem-se pelo voto aquêles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas – e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.

Escolhemos igualmente pelo voto aquêles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aquêles que irão estipular a quantidade dêsses impostos. Vejam como é grave a escolha dêsses “cobradores”. Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gôta de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bôlso.

E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aquêles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aquêles que vão “fabricar” o dinheiro. Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.

Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Êles desandam a emitir sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais zero.

Não preciso explicar muito êste capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder.

Escolhem-se nas eleições aquêles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático. E, circunstância mais grave e digna de todo o interêsse: dá-se aos representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de tôdas as fôrças armadas: o exército, a marinha, a aviação, as polícias.

E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho que lhes fêz um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio – lembrem-se de que não vão proporcionar a êsses sujeitos um simples emprêgo bem remunerado.

Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para êles comandarem – e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fôssem.

Entregamos a êsses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra – e a flor da nossa mocidade, a êles prêsa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.

Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.

Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se uma surra, devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o govêrno, quando é ruim, êle é que nos dá a surra, êle é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da bôca dos nossos filhos e nos faz aprodecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.

E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar êste ou aquêle candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto.

Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem mêdo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem mêdo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à fôrça, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno”.

Há 65 anos Raquel de Queiroz escreveu sobre a magnitude do Voto. O texto é mais que atual, poderia ter sido escrito hoje. Copiei e colei aqui no blog tentando esclarecer a importância de sua decisão. Não tenha medo: "DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. ESCUTE APENAS A SUA CONSCIÊNCIA PARA NÃO SE ARREPENDER DEPOIS"


7 comentários:

  1. "DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. ESCUTE APENAS A SUA CONSCIÊNCIA PARA NÃO SE ARREPENDER DEPOIS"
    É o que vou fazer! Grata pela DICA, Fafá.

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  2. EQUIDADE EM HORA ERRADA

    O princípio da Equidade é benevolente e necessário no mundo dos desiguais. Através dele se consegue transpor recursos de onde tem mais para onde tem menos. Portanto, ele é humanamente necessário nas políticas públicas sadias. Sem a sua presença o desnível social permanece em curva ascendente.

    O mundo acadêmico sabe que a turbulência causada pela má distribuição de renda gera um desconforto social desumano e perverso. A população entende que sem a interferência do poder jamais haverá um resultado justo e satisfatório. Os políticos possuem a convicção que somente eles podem promover a distribuição de recursos para minimizar esse fato social tão degradante e deprimente.

    Quatro anos são desperdiçados a cada pleito para a concretização do sonho dos diferentes. Medidas efetivas que deviam ser tomadas para reorientar o rumo da história da discriminação e da exclusão social, são desperdiçadas em devaneios administrativos. O sonho da distribuição de renda, de maneira equânime e honesta, transforma-se em pesadelo nos três dias que antecedem o pleito eleitoral. A população, inconscientemente masoquista, não dorme, aguardando o maná do suborno. Os ofídicos do poder, num sadismo inconteste, aproveitam o momento da picada fatal.

    E assim, vai-se perpetuando a prática milenar da compra de votos, fechando-se o ciclo corrupto-corruptor, protegidos por uma lei fantasiosa, que pune os dois lados, ornamentada com os confetes do oportunismo e da hipocrisia. Mas, no silêncio e no encantamento da urna, de forma majestosa, tento execrar essa prática, que só beneficia os grupos que se banqueteiam com a miséria humana. Essa é a nossa cara, Brasil.



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  3. Oi Fafá,votar, votar vendo aqui o maior brasileiro lembrei do menor poeta brasileiro.Luiz Lisboa.E fiz este soneto.

    Cansdo de ver maré
    Sai da beira do porto
    Fui mostrar a minha fé
    Subindo a ladeira do horto

    Eu cantei em cabaré
    Fazendo meu verso torto
    Foi minha rima sem pé
    O que mais me deu conforto

    Meu canto não é louvado
    Ele é desacreditado
    Igual a lenda do borto

    Prefiro não ser lembrado
    A ser sempre admirado
    Um grande poeta,morto.

    Fafá, um abraço.

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    1. Lisboa, deixa disso, para mim você é poeta por excelência. Aquele que dá força a essa simples conterrânea ilustrando o blog com seus devaneios. Abraço Fafá

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  4. Fátima,brigado por ser poeta excelência.
    Queria era mesmo encotrar pessoalmemte
    Ver você na frente
    E dizer,agora aguente
    Te amo, te adoro e admiro
    Você é muito mais que eu
    EU EU EU...

    Fafá mais que um abraço.

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    1. Pois faça como Vicente
      venha até a gente
      nos conhecer pessoalmente..
      Abraço conterrãneo.

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