19 de setembro de 2013

HISTÓRIAS DE TRANCOSO - Sávio Pinheiro

Era uma vez... Uma cidade chamada Várzea Alegre, que sempre se destacou no cenário cultural pela sua oralidade, ou seja, pela capacidade que o seu povo tem de contar histórias pitorescas e circunstanciais através das gerações. Com o aparecimento do contato virtual essa capacidade artística tornou-se mais descritiva e literária oferecendo às pessoas uma informação mais rápida e universalizada. Que maravilha...
 
Era uma vez... Um saudoso motorista de caminhão de verve humorística, chamado Zé Felipe, que divulgou as nossas histórias pelo Brasil afora e que se tornou o nosso representante maior nessa prática rotineira da nossa gente. Com o advento da imprensa, fomos representados, em 1933, por Pedro Tenente, o qual ditou dois livros abordando temas orais e que ainda hoje os utilizamos em nossas pesquisas históricas. Quanta ousadia...
 
Era uma vez... Uma infinidade de ferramentas eletrônicas, que fizeram surgir vários nomes, os quais transformaram a nossa tradição oral em prática virtual. Desses, podemos citar representando os demais, o Escritor e Historiador Antônio Alves de Morais e o Poeta e Contador de Casos Mundin do Vale. Duas figuras impolutas...
 
Era uma vez... Uma menininha que teve paralisia infantil e que, em hipótese alguma, podia se locomover. Então, uma fada rainha falou, que se ela se submetesse a uma cirurgia ortopédica e começasse a andar de bicicleta poderia reabilitar-se e ter uma vida saudável. E assim ela o fez aos doze anos de idade. E é eternamente feliz...
 
Era uma vez... Um menino com medo do escuro, que o seu pai, para encorajá-lo, mandava-lhe ao roçado, já à noite, levar os animais de montaria para o pasto. Certa vez, ele viu um padre sem cabeça carregando uma lamparina em uma das mãos...
 
Era uma vez... Uma moça imigrante, que casou com um rapaz de outra terra, a qual teve dois filhos. Na terceira gravidez, desentendeu-se com o marido por causa da irmã, que mantinha um caso amoroso com ele. Em 1926, Maria é assassinada por Bil, que foge para longe. O assassino aparece às Sextas-Feiras, Treze, em forma de lobisomem e a mártir faz milagres protegendo as mulheres sofredoras...
 
Era uma vez... Uma história chamada de trancoso ou do tempo da carochinha. Seus ditos eram retirados de histórias populares, fantasiosas, mentirosas e de assombrações, que habitavam o imaginário popular e que foram repassadas, através das gerações, por nossas bisavós, avós, mães e babás. O homem, mais dedicado ao trabalho fora do lar, era menos influente...
 
Era uma vez... Um escritor português, nascido e vivido no século XVI, chamado Gonçalo Fernandes Trancoso, que ao escrever Contos e Histórias de Proveito e Exemplo, deu ao mundo um desejo irresistível de valorizar o cotidiano e o simples. Foi contemporâneo de Cervantes, Montaigne, Shakespeare, Erasmo e Camões e era conhecido como um zeloso moralista e um religioso praticante. Teve por base a cultura popular, inseriu o conto português na grande corrente européia e foi possuidor de um estilo agradável marcado pela tradição oral. Que nem nós...
 
Porém, desta vez... Comparar Mundin do Vale e Antônio Morais ao genial Gonçalo Fernandes Trancoso é um fato real, pois os três são possuidores da mesma versatilidade. A capacidade de extrair pérolas do nosso cotidiano, transformando-as em estruturas virtuais instantâneas, foi o ponto decisivo para o surgimento dessa verdadeira analogia. Quanta alegria...
 
E, desta vez... A História não é de Trancoso
 
(Do livro ESTRELA DALVA de Sávio Pinheiro)

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