27 de junho de 2012

UMA NOITE COM O BANDO DE LAMPIÃO - Por Vicente Almeida

E por falar em saudade, lembro muito bem de uma história que meu pai costumava contar, sobre os apuros dele e de alguns amigos, ao se deparar certa vez com alguns cangaceiros do bando de Lampião.

Meu Pai chamava-se Miguel Rodrigues de Almeida, mas todos o conheciam como Miguel Bernardo. Era muito respeitado pela sua honradez, e durante mais de cinquenta anos, foi o administrador da maior propriedade rural localizada no sopé da Chapada do Araripe, denominada Sitio Belmonte, pertencente ao saudoso Dr. Teles.

Papai tinha um ótimo relacionamento com os fazendeiros locais: Major Aderson da Franca Alencar, José Pinheiro Gonçalves e Major Artur Pinheiro que muito o respeitavam e quando algum morador desses proprietários tinham dificuldades recorriam ao meu pai para interceder por eles junto aos seus patrões. E Papai sempre resolvia as pendências daquele povo. Mas vamos ao relato do cangaço.

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No último século do milênio passado, mas precisamente na década de 30, meu pai e alguns amigos tinham o costume de todo sábado à noite, munidos de suas respectivas espingardas soca-soca, subirem a Chapada do Araripe para caçar retornando somente no domingo à noitinha com as mãos cheias de caças ou vazias, mas dizia papai: O prazer de uma caçada era inesquecível.

Pois bem, numa noite de sábado do mês de Julho, meu pai juntou um grupo de amigos e subiram a Chapada do Araripe como de costume. Andaram uns três quilômetros e já na mata fechada, um dos componentes do grupo pisou em uns ramos verdes estendidos no chão, e sentiu o pé afundar, pois havia ali um buraco e estranhou. Em seguida se abaixou, retirou as folhas e descobriu muitas mantas de carne bovina escondidas e chamou a atenção do grupo:

- Ei
gente, tem uma coisa esquisita aqui!

Quando viram aquilo, o mais velho, que era o padrasto do papai, disse:

- Meninos,
vamos ligeiro simbora daqui. Isso é coisa dos cangaceiros de Lampião.

Fizeram jeito para correr, mas já era tarde demais, ouviram foi o estalar de cravinotes e bacamartes sendo engatilhados e uma voz autoritária falou:

- “Fiquem
onde tão ou morre todo mundo”.

Olharam
para os lados e de cada canto um homem mirava seus corpos. Eram muitas armas apontadas em sua direção, uns ajoelhados outros em pé.

Papai
contava que ninguém teve coragem si quer de bater uma pestana, ou mover um dedo. Aí um cangaceiro falou:

- Nóis
não vai matar ninguém se um de vocês for no Crato comprar uma saca de sal pra salgar essa carne ai.

Um cangaceiro, que parecia o mais experiente, olhou para todos e percebeu o quanto eram jovens. Papai tinha pouco mais de vinte anos, mas havia um que era o mais velho do grupo, o padrasto do meu papai, e todos o chamavam de Tio Romão.

O cangaceiro olhou pra ele e disse:

- Você véi, parece ser o mais responsável, e vai comprar o sal. Os outro fica aqui preso. Se você num vortar, eles morre, se der com a língua nos dente, e os macaco aparecer, eles morre e você também.

era quase meia noite raspando a madrugada, e nessa situação, o tio Romão desceu a Serra do Araripe rumo à cidade do Crato pensando em qual comerciante ia acordar para comprar o sal sem despertar suspeitas.

Lembrou-se
de um amigo na cidade foi lá inventou uma história qualque, e voltou com a saca de sal.

Antes de subir a Serra deu na veneta de ir falar com o Major Artur, um grande proprietário rural residente no Sopé da Chapada do Araripe. Acordou o Major e explicou toda a situação e finalizou dizendo:

- Não
leve soldado agora, ou morre todo mundo. O Sinhô dê um tempo de eu chegar lá e vortar com os menino.

Em
seguida o Tio Romão continuou sua marcha para encontrar os cangaceiros entregar o sal e libertar os caçadores. Era quase manhã do domingo quando ele chegou junto ao bando com a saca de sal. Aí um dos cangaceiros perguntou:

- Então
véi, tu viu algum macaco por lá? (macaco era como os cangaceiros chamavam os soldados) Ele respondeu:

-  Não Sinhô fui só comprar sal e vortei!

- Ainda bem, falou o cangaceiro, pruque se tu dá cá língua nos dente, nóis ia esquartejar vocês como fizemo com essas rêis aí.

Em seguida mandaram que meu pai e os outros tratassem de salgar a carne. Era uma manhã fria, mas, papai contava que o Tio Romão estava suando muito e de vez em quando dizia:

- Mininos
vamos simbora, e repetia, mininos vamos simobra.

Ai um cangaceiro ouviu, notou a pressa deles e falou:

-  Qué
isso aí veinho, tá com medo, tu parece qui avisou os macaco foi? E ele respondia:

- Não
sinhô! Não sinhô!

Por causa da desconfiança dos cangaceiros, eles seguraram o grupo de caçadores até a tardinha do domingo, quando disseram:

- Pronto,
agora nóis sabe que tu num avisou ninguém veinho, vocês pode ir simbora, e leve essas mantas de carne procês como pagamento do trabaio.

Todos
pegaram sua montarias e saíram apressados. Ao se distanciar do bando e chegar a estrada, cada um esporeavam mais a sua montaria com medo dos possíveis tiros, que felizmente não houve.

Quando chegaram na cabeça da ladeira do Belmonte, estava anoitecendo e a força policial ia subindo. Interrogaram os caçadores que disseram onde haviam deixando o bando de Lampião.

Somente
naque hora, o padrasto do meu pai informou a todos, que havia avisado ao Major Artur, e pedido ajuda policial, pois achava que não iam voltar com vida. E era por isto que estava suando e apressado para voltar, por que se demorasse demais, ou se a polícia chegasse antes da hora, certamente todos iam morrer dizia ele.

Passado o grande susto, os corações acalmandos, e já na descida da ladeira, quebraram o silêncio e começaram a conversar.

Então
meu pai perguntou ao seu primo Miguel Gomes:

- Migué, tu tá trazendo na tua sela uma panela de feijão fervendo? e ele respondeu:

- Deixe
de ser besta homi, o medo destemperou minha barriga e eu não sei como tô aqui nessa sela, cagado e mijado, mas cum vida graças a Deus.

E foi assim.

Papai falava que a caçada foi de tal forma inesquecível, que nunca mais qualquer um deles manifestou vontade de ir caçar a noite na Chapada do Araripe, mesmo após a morte de Lampião.

Escrito por Vicente Almeida
27/06/2012


7 comentários:

  1. ... Aí eu disse:

    Parece um conto, mas a história é real, e mesmo hoje posso imaginar a angustia daqueles momentos.

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    1. Gostei da história Vicente e não tenho como duvidar da veracidade do acontecimento. O meu velho amigo POMPÍLIO de saudosa memória, cujo me introziu nos meios poéticos, costumava contar muitas coisas sobre Lampeão. Uma coisa ficou clara; o referido cangaceiro fazia justiça a quem ele tinha gratidão. Era um princípio dele.
      Conheço várias passagens interessantes em sua vida.
      Todavia se alguém lhe fosse infiel o pão comia.
      FOI GRANDE O VEXAME QUE PASSARAM SEUS AMIGOS.
      Um abraço meu amigo,]
      João Bitu

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  2. Acho que Vicente abriu um bom espaço para contarmos as histórias de nosso povo, é chegado o momento de recordarmos as histórias de POMPÍLIO e nosso pai. Lembro papai contando que Lampeão abordou um passante na estrada e perguntou:
    - Você fuma?
    - Não, mas se o senhor quiser começo a fumar hoje mesmo.
    Só que essas coisas só tem graça se forem bem narradas. Sou ruim disso. Passo a bola aos poetas queridos. Bom dia!

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  3. Vicente:

    História de Lampião e os cangaceiros tenho conhecimento através da IMPRENSA e TV. Os meus antepassados contavam por ouvir falar. Agora, sobre a GUERRA de 1914, chamada "GUERRA DE PADRE CÍCERO", minha mãe nos contava. Uma vez ela falou que correu muito com medo dos cangaceiros que os pés batiam na bunda.Isso era quando o grupo saía atrás de mantimentos pelas FAZENDAS. O Sítio Lagoa dos Órfãos, lugar onde ela nasceu e se criou era alvo dos "CANGACEIROS" de Padre Cícero (como eram chamados na época).É isso aí, meu amigo. Achei interessante sua narração. Não sei se já percebeste, mas gosto dessas "HISTÓRIAS".....

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  4. Amigo Vicente Almeida,

    Relato interessante e com uma coincidência histórica. O bando de Lampião foi descoberto pelo Tenente João Bezerra na gruta de Angicos, em Sergipe, nos anos 30, em razão de um de seus coiteiros, pessoa simples naquela localidade, ter sido visto comprando "uma saca de sal", o que não era comum, já que era pessoa sem posses. O coiteiro foi pego e torturado até confessar o local do esconderijo do rei do cangaço. Daí, a carnificina.

    Um abraço.

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  5. ... Aí eu disse:

    Amigos:

    Quando ouvi papai relatando este fato, eu tinha uns oito anos mas nunca esqueci pois, 25 anos depois de sua morte, histórias de Lampião ainda assustavam bastante os meninos sambudos das redodezas onde morava. Diziam que seus cangaceiros ainda andavam pela Chapada do Araripe e eu era um menino matutinho que tinha muito medo de morrer.

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